segunda-feira, 20 de abril de 2015

Esperando Godot



           Se você ainda não viu ou leu, deve pelo menos conhecer de orelha a peça cujo título encima estas mal traçadas. Lançada em 1953 e já traduzida, do original francês, para mais de vinte idiomas, a tragicomédia em dois atos do escritor irlandês Samuel Beckett (1906-1989), mestre do “teatro do absurdo”, gira em torno de dois vagabundos ---Vladimir e Estragon--- que aguardam juntos e ansiosos a chegada iminente do misterioso Godot.
           Godot seria por acaso um deus? A morte? Um bom emprego? Talvez uma gorda herança? Estragon e Vladimir não nos esclarecem. E, como Godot acaba por não chegar, ficamos afinal sem saber quem ou o que ele é. Mas não restam dúvidas: a vinda de Godot é de capital importância para os dois vagabundos. Dela, ambos esperam rápida solução para seus problemas trágicos e cômicos a um só tempo.
           O caro leitor há de concordar: à semelhança do que ocorre com os vagabundos beckettianos respiram-se hoje no Brasil ares de expectativa e de ansiedade. Impeachment da presidente Dilma? Outros nomes na Operação Lava Jato? Desfecho do Petrolão? Novos aumentos na energia, nos impostos, na inflação e nos juros? A quina da Loto? A sena da Mega? Uma alegria? Uma tristeza? Ou até quem sabe o fim do mundo? Nada é implausível, já que o elenco de godots ---exclusivos ou combinados--- pode variar infinitamente.
           Esqueça um pouco de que o tempo é escasso, leitor, vasculhe com calma a consciência e procure ali o seu próprio godot.  Talvez ele esteja dentre os exemplos dados, talvez seja um outro completamente diverso. Mas, com certeza, ele anda por lá. “Ele” ou “eles”: afinal, repito, as possibilidades são vastas ---tantas quanto podem ser incontáveis e tragicômicos os vladimires e  estragons da vida.
            Sim, amigo leitor: parafraseando o velho Flaubert, poderíamos também dizer que “Vladimir e Estragon somos nós”. Insatisfeitos física ou metafisicamente, debatemo-nos, humanos que somos, entre a fé e a dúvida, entre o ânimo e o desconsolo, entre a coragem e a tibieza, entre o céu e a lama sórdida, entre misérias grandes e miúdas ---exatamente como o triste par de vagabundos criados pelo bom dramaturgo irlandês.
           Absurdo e vário é o teatro onde eu e você, leitor ---Estragon e Vladimir---, representamos todo dia os nossos papéis costumeiros. Nele, sem interrupções, sobem à cena gêneros diversificados: tragédias aflitivas e dramas lancinantes, comédias hílares e melodramas lacrimosos, mas também ---e principalmente--- farsas, pantomimas e grotescas óperas-bufas.
           Lançada em 1953, a tragicomédia de Samuel Beckett fala de nosso (talvez impreenchível) vazio existencial. Todos, em qualquer parte, vivemos ---e com frequência morremos--- esperando pelos respectivos godots. Que raramente chegam, deixando um travo amargo na alma dos “vagabundos” inumeráveis. Dentre os quais eu e o leitor sem dúvida nos incluímos ---não é mesmo verdade, meu caro, ansioso e insatisfeitíssimo Vladimir?

Nilton Nicola
Advogado e professor da Faculdade de Direito de Peruíbe
Membro da Academia Itanhaense de Letras


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