Se você ainda não viu ou leu, deve pelo menos conhecer de orelha a peça
cujo título encima estas mal traçadas. Lançada em 1953 e já traduzida, do
original francês, para mais de vinte idiomas, a tragicomédia em dois atos do
escritor irlandês Samuel Beckett (1906-1989), mestre do “teatro do absurdo”,
gira em torno de dois vagabundos ---Vladimir e Estragon--- que aguardam juntos
e ansiosos a chegada iminente do misterioso Godot.
Godot seria por acaso um deus? A morte? Um bom emprego? Talvez uma gorda
herança? Estragon e Vladimir não nos esclarecem. E, como Godot acaba por não
chegar, ficamos afinal sem saber quem ou o que ele é. Mas não restam dúvidas: a
vinda de Godot é de capital importância para os dois vagabundos. Dela, ambos
esperam rápida solução para seus problemas trágicos e cômicos a um só tempo.
O caro leitor há de concordar: à semelhança do que ocorre com os
vagabundos beckettianos respiram-se hoje no Brasil ares de expectativa e de
ansiedade. Impeachment da presidente Dilma? Outros nomes na Operação Lava Jato?
Desfecho do Petrolão? Novos aumentos na energia, nos impostos, na inflação e
nos juros? A quina da Loto? A sena da Mega? Uma alegria? Uma tristeza? Ou até
quem sabe o fim do mundo? Nada é implausível, já que o elenco de godots ---exclusivos ou combinados---
pode variar infinitamente.
Esqueça um pouco de que o tempo é escasso, leitor, vasculhe com calma a
consciência e procure ali o seu próprio godot. Talvez ele esteja dentre os exemplos dados,
talvez seja um outro completamente diverso. Mas, com certeza, ele anda por lá.
“Ele” ou “eles”: afinal, repito, as possibilidades são vastas ---tantas quanto
podem ser incontáveis e tragicômicos os vladimires
e estragons da vida.
Sim, amigo leitor: parafraseando o velho Flaubert, poderíamos também
dizer que “Vladimir e Estragon somos nós”. Insatisfeitos física ou
metafisicamente, debatemo-nos, humanos que somos, entre a fé e a dúvida, entre
o ânimo e o desconsolo, entre a coragem e a tibieza, entre o céu e a lama
sórdida, entre misérias grandes e miúdas ---exatamente como o triste par de
vagabundos criados pelo bom dramaturgo irlandês.
Absurdo e vário é o teatro onde eu e você, leitor ---Estragon e
Vladimir---, representamos todo dia os nossos papéis costumeiros. Nele, sem
interrupções, sobem à cena gêneros diversificados: tragédias aflitivas e dramas
lancinantes, comédias hílares e melodramas lacrimosos, mas também ---e
principalmente--- farsas, pantomimas e grotescas óperas-bufas.
Lançada em 1953, a
tragicomédia de Samuel Beckett fala de nosso (talvez impreenchível) vazio
existencial. Todos, em qualquer parte, vivemos ---e com frequência morremos---
esperando pelos respectivos godots. Que
raramente chegam, deixando um travo amargo na alma dos “vagabundos”
inumeráveis. Dentre os quais eu e o leitor sem dúvida nos incluímos ---não é
mesmo verdade, meu caro, ansioso e insatisfeitíssimo Vladimir?
Nilton
Nicola
Advogado e professor da
Faculdade de Direito de Peruíbe
Membro da Academia
Itanhaense de Letras